Teste de Fidelidade da Minha Namorada

Capítulo 1


— Por que você não faz um teste de fidelidade com ela? 

A ideia nasceu ali mesmo, como todas as grandes ‘geniais’, essa surgiu numa noite de bebedeira.

Quatro da manhã. Eu e João estávamos numa festa open bar, tentando recuperar o valor do nosso ingresso. 

A desculpa era comemorar o fim do intercâmbio dele. João havia acabado de voltar da Austrália com histórias demais e filtro de menos.

Confessei a ele que queria dar o próximo passo com a minha namorada. Morar junto, talvez até casar. Mas ainda tinha minhas dúvidas.

Para sempre, parecia muito longo. Muito tempo para ficar com uma pessoa só. Não sabia se ela tinha essa disposição. E também não sabia se ela era a pessoa certa.

Soltei uma risada quando ouvi a ideia dele. Parecia uma piada, mas João me encarava com a cara mais séria do mundo.

Ficamos em silêncio por alguns segundos. Meu riso murchou. Deu lugar a uma indignação quieta. João era cheio de ideia torta, mas aquela passava do ponto.

Quando percebeu que eu estava começando a ficar puto, ele caiu na gargalhada. Passou o braço pelo meu ombro, deu uns tapinhas no meu peito. Palhaço. Era só isso mesmo. Só mais uma daquelas provocações que ele soltava quando queria ver até onde dava para ir.

A gente saiu da festa quando as luzes apagaram e o segurança nos expulsou. 

Eu nem lembrava a última vez que tinha ido para a balada — provavelmente antes de começar a namorar. Só topei porque era o João. Estava com bastante saudade dele, sempre fomos muito próximos.

Ele, por outro lado, sempre brilhou nesse tipo de ambiente. Alto, loiro, cabelo bagunçado de surfista, tatuagem tribal cobrindo o braço. Tinha mina que se jogava. Literalmente.

Já vi ele pegar mãe de amigo, professora e até mulher casada. Ele tinha esse talento esquisito. Dava medo pensar no que ele seria capaz se quisesse usar isso para o mal.

Se Tati resistisse a ele, resistiria a todas as outras pessoas do mundo.

Enquanto tentava dormir, chapado, com a luz do sol furando as frestas da janela, voltou na minha cabeça a conversa sobre teste de fidelidade.

Comecei a pensar que João seria a pessoa perfeita. Tati não o conhecia, já que ele estava há anos fora do país. Era alguém em que eu confiava plenamente, já que a gente se conhecia desde criança. Sabia que no fim do dia ele estaria do meu lado.

Sabia que era uma ideia idiota. Mas, meu cérebro tentava justificar. Se ela resistisse, era prova de que era a pessoa certa. Se não, seria melhor descobrir agora do que lá na frente.

Acordei mais tarde. A ideia ainda estava na minha cabeça, firme, como se tivesse sobrevivido à ressaca melhor do que eu. Mandei mensagem pro João. 

“Mano, acordei pensando naquilo que você falou ontem”

“Qual parte? kkkkk”

“Do teste… cara acho que se tem razão. Vamos fazer o teste nela”

“Não precisa de toda essa história, se quiser que eu coma sua namorada, eu como kkkkk 🤠🐄”

“Seu imbecil, tô falando sério. Preciso tirar isso da minha cabeça”

“Manda uma foto dela… deixa eu ver se vale a pena”

Já na troca de mensagens, bateu um arrependimento. Não era exatamente surpresa — o João sempre foi meio babaca. O tipo de amigo que passa dos limites e depois ri como se nada tivesse acontecido. Tinha hora que ele exagerava tanto que eu ficava sem saber se ele era brincalhão ou só escroto mesmo.

Ainda assim, mandei uma foto de rosto dela. Eu estava pedindo para ele um mega favor, aceitei que o preço para isso era que ele iria tirar um pouco de sarro da minha cara. 

“🍆💦 Tati, sua delícia!!! Fechado. Como se quer que eu faça?”

“Adiciona ela no insta, joga uma conversa e chama ela para sair”

“🫥”

“É sério. Se faz isso por mim?”

Demorou um pouco mais para responder, talvez estivesse digerindo. 

“Beleza. Só não esquece que foi você que pediu”

“Beleza”

“Vou fazer isso porque se é como um irmão para mim. Mas, não quero nenhuma encheção de saco depois que se virar corno 🤣”

Aceitei. E João levou nosso plano bem a sério. Primeiro ele me deletou do Instagram e todos nossos amigos em comum. Queria garantir que ela nem suspeitasse que existia uma ligação entre nós dois. Depois, enviou a solicitação de amizade.

Bateu uma ansiedade forte. Por um lado, seria bom se ela recusasse ele logo de cara, era um sinal que levava o nosso namoro a sério. Por outro lado, se nem adicionasse ele, eu ia ficar com a sensação de que aquele teste não valia como prova. Podia simplesmente achar que era perfil de um fake. 

Só contaria para mim se eles realmente conversassem. Eu queria que ela soubesse com quem estava lidando. Que fosse tentada de verdade. E mesmo assim, dissesse não.

Cheguei até comemorar quando o João mandou o print. Ela havia o aceitado. O plano estava dando certo.

Ou pelo menos, era o que eu queria acreditar.


Capítulo 2


“Obrigado por me adicionar! Achei você linda… adoraria te conhecer melhor 😄”

Fui à casa do João e fiquei assistindo enquanto ele mandava mensagens para minha namorada. O plano estava em ação.

A abordagem inicial dele parecia ridícula, mas eu sabia muito bem que funcionava. A verdade é que tanto fazia qual era a primeira mensagem, o que fazia as mulheres continuarem a conversar eram as fotos deles.

Ele começava sempre com essa pose de bom moço. Educado, gentil. Só depois mudava o tom, revelando quem ele realmente era.

João curtia umas paradas estranhas, meio estilo “50 Tons de Cinza”. Uma vez, ele mostrou uma conversa com uma garota que mesmo sem ele responder há mais de um ano, ela continuava mandando nudes. Dizia que ainda era propriedade dele e ele era o mestre dela.

Confesso que ficava um pouco chocado. Eu odiaria saber que minha filha estava namorando alguém como ele. E agora, precisava torcer para minha namorada não cair no papo dele.

Dizem que, quando você está em dúvida entre duas escolhas, é só jogar uma moeda para o alto. No tempo que ela leva para cair, você já sabe o que quer. 

O plano mal tinha começado e eu já sabia. Queria que a Tati passasse no teste. Queria seguir em frente com ela.

A gente já namorava há alguns anos. Eu a conheci num app e a conversa engatou quando descobrimos que estudávamos na mesma faculdade, em cursos diferentes. Ela fazia fonoaudiologia. Eu, medicina.

Mesmo com o papo bom e as fotos bonitas, fui para o primeiro encontro pronto para a decepção. Esses encontros de apps são sempre assim, as fotos enganam demais.

Quando vi uma loira magrinha, com o cabelo que chegava até quase a cintura e um bundão magnífico vindo na minha direção, nem reagi. Tinha certeza de que não era ela.

Tati me deu um beijinho e sentou-se na minha mesa, e eu fiquei com a boca aberta, sem acreditar que de fato meu date era com aquela deusa. E mesmo com certo nervosismo meu, o encontro foi super legal. Tanto é que a gente continuou a sair.

Demorou um tempo até rolar o primeiro beijo. Tati era meio timidazinha, com uma carinha de santa. E eu, iludido, achei que ela era inexperiente. Cheguei a pensar até mesmo que fosse o primeiro cara dela. Achei melhor fazer tudo devagar.

Só depois de anos juntos que contei isso para ela. Tati caiu no chão de tanto gargalhar. Descobri que não só não era o primeiro, como ela já tinha dormido com muito mais gente do que eu, até mesmo tinha experiência com outras meninas. 

Tentei disfarçar, fingir que estava tudo bem. Mas por dentro, algo trincou.

Não era ciúme ou moralismo. Era só uma pergunta que apareceu e não me deixou mais em paz: quem já viveu tanto assim, consegue parar?

Desde então, essa dúvida me acompanhava.

“Aí… brigada, viu? Mas, moço, eu tenho namorado 🙊”

Pelo menos, a primeira resposta dela para o João me deu um alívio imediato. Poderia ter sido mais firme, mais direta, mas pelo menos ela avisou que era comprometida. Era um bom começo.

“Ah, que pena… então a gente pode ser amigo, né?”, ele respondeu.

“Claro! 🙃”

Com isso, relaxei. Até brindei com o João. Falei que ele podia encerrar. Que ela tinha me escolhido. Nem o pegador da nossa turma conseguiu ‘tentar’ minha princesa.

Ele me olhou torto, como se tivesse mordido um limão. João sempre foi competitivo, mas não imaginei que até nisso ele quisesse vencer.

— Isso é uma maratona, não uma corrida. — foi a resposta dele. O jeito me incomodou um pouco. Ele estava empenhado demais.

Mesmo assim, tentei não encanar. As coisas estavam indo do jeito que eu queria.

Terminei minha bebida, agradeci profundamente o João e fui embora da casa dele. Eu estaria em paz se tivesse mesmo. Já dava para chamar aquilo de vitória. A minha noia tinha baixado.

Os dias passaram sem novidade. Achei até que o João tinha desencanado depois da negativa. Para ser sincero, 

Então, numa tarde qualquer, deslizando o feed, me deparei com uma foto. João, na academia, de regata. Ombro estourado, tanquinho aparecendo, tatuagem em destaque. Legenda boba sobre foco e saúde. 

Mas aquilo não era sobre treino — era uma isca de contatinho. Ele queria chamar atenção. Queria que ela visse. Queria que ela viesse.

Minha ansiedade foi para o limite de novo. Fiquei com uma sensação ruim. Fiquei olhando compulsivamente o celular, esperando uma notícia ruim. 

Quase mandei mensagem perguntando se ela tinha dito algo. Me segurei. Não queria que meu amigo soubesse quão desesperado eu estava.

Demorou algumas horas, João mandou um print. Tati tinha curtido o story.

Ufa, era só isso? Se fosse, eu conseguia viver. 

Respondi dizendo que aquilo não era nada. Ela vivia no Instagram, curtia tudo quanto era post. Ele não rebateu. Só mandou outro print. 

E eles estavam conversando de novo.

Capítulo 3


A primeira mensagem era do João.

“Seu namorado sabe que você fica curtindo story dos seus amigos na academia?”

“Ele confia em mim… e, além disso, curtir story não é crime 😌”

“Só vira crime se você tiver gostado demais do que viu… e aí, gostou?”

“🙄”

Depois daquela cortada com um simples emoji, João não respondeu, deixando minha namorada no vácuo por alguns minutos. Foi ela que retornou a conversa.

“Você treina faz tempo? Dá pra ver que leva a sério”

“Anos. Disciplina é tudo. Quer ver o progresso real?”

“Manda aí, tô curiosa kkkk”

“Mas só se prometer não se apaixonar”

“👀 Besta kkk”

João mandou uma foto sem camisa, posando de lado e fazendo muque, como se fosse um “body builder”. A foto deixava claro que ele tinha passado uma boa parte da vida dentro da academia. Os músculos saltavam do ombro, do pescoço, do peito. A barriga parecia desenhada com um  tanquinho bem definido.

Mas não era só isso que a foto destacava. 

Ele usava um shorts preto. A peça colava no seu corpo, deixando quase nada para a imaginação. Além de alto, loiro, saradão, João também havia sido abençoado com a grandeza lá embaixo. 

Tati curtiu a foto. Em seguida, mandou:

“Credo… precisava mesmo mandar tudo isso? 😳”

“Ué, você que pediu kkkk”

“Pedi o progresso… não um raio-x 😅”

“Mas tá aprovado?”

“Acho que você não tá precisando de aprovação nenhuma, né?”

“Só da sua 😏”

Ela demorou para responder, como se tivesse pensando se devia mesmo mandar a próxima mensagem.

“Esse short tá pedindo socorro 🤭”

“Quer ver sem o short?”

A conversa parava ali. E eu fiquei com vontade de vomitar. O que mais doeu não foi só o flerte. Foi ver a hora da última mensagem.

Tati já tinha me mandado um “boa noite, amor”, com um coraçãozinho no final. Disse que ia dormir cedo, que estava cansada. Eu acreditei.

Mas as mensagens com o João continuaram depois disso. Ela não foi dormir. Ela só parou de falar comigo.

Pensei em terminar tudo com a Tati naquele momento. Mas segurei.

A verdade é que eu precisava saber até onde aquilo iria. Se era só um jogo leve, sem consequência. Se, no fim do dia, ela ainda respeitaria nosso relacionamento. 

Eu precisava ver a linha sendo traçada. E se ela seria capaz de cruzar.

Tentei me agarrar no que dava. Tati não tinha respondido o “quer ver sem o short?”. Pelo menos isso.

Deitei com aquilo na cabeça, forçando um otimismo. Queria acreditar que ela tinha percebido o limite e recuado. Que, por mais que tivesse brincado, ela ainda lembrava de mim.

Dormi tarde e acordei ainda mais tarde, com a cara amassada e o celular vibrando na mesa de cabeceira. João havia me enviado mais prints da minha namorada conversando com ele.

“Bom diaaa! ☀️”

“Bom dia pra quem? Me deixou no vácuo ontem…”

“Kkk desculpa! Acabei dormindo”

“Fiquei até preocupado. Achei que tinha ficado ofendida com a última mensagem”

“Claro que não 🙈 Só achei que a gente tava indo longe demais… e eu tenho namorado, lembra?”

“Vi umas fotos de vocês dois. Sendo bem honesto… difícil de acreditar.”

“Ué? Como assim?”

“Nada contra o cara, mas pra conquistar um mulherão como você, ele deve ser um santo 😅”

“Ai, para com isso… meu namorado é incrível, tá? 🙄”

“Nunca deu uma escorregada?”

“Óbvio que não! Eu não sou esse tipo de pessoa kkk”

“Sei… mas do jeito que se é… deve chover oportunidade. Nunca passou nem perto?”

“Ah… Pensar, todo mundo pensa. Mas fazer? Nunca.”

Dizem que a primeira fase do luto é a negação.

Eu lia aquelas mensagens sabendo, no fundo, que a Tati já estava me traindo. Não era só conversa boba. Ela estava dando mole para meu amigo.

Mesmo assim, arrumava desculpas para ela. Dizia que ela só gostava da atenção. Que era vaidade. Que João também era um mestre em provocar e tirar as palavras certas. 

Tentava olhar para o copo meio cheio. Eu não era corno. Pelo menos, não ainda.

João continuou a conversa, mandando uma foto com a legenda:

“Não precisa passar vontade, sei que você quer ver 😉”

Não dava pra saber o que ele tinha mandado. Era uma daquelas fotos que desaparecem assim que são vistas. Mas Tati abriu a foto. E antes dela falar alguma coisa, João enviou:

“Eita… Pra quem ‘não queria’ se abriu rápido, hein? ”

“Aff, que besta! 😅 Me enganou, tinha nada de mais nessa foto”

“Ah, vou mandar o ouro de graça para você? Kkkk. Quer ver de verdade? Troco uma sem cueca por uma sua sem calcinha 😈”

“Nem pensar, não sei o que você vai fazer com essas fotos”

“Posso te mandar um vídeo mostrando como eu vou usar a foto…”

“Como você é besta… não, nude não rola”

“Tá bom... Foto de biquini então?”

“Não tenho nesse cel… e eu não vou colocar um biquíni só para tirar foto para você, né? 🤣”

“Poxa… por que não? Você negocia duro demais. Beleza, manda só uma de costas no espelho. Nada de mais. Só quero ver esse cabelo bonito aí”

Aquela era a última mensagem. Fiquei horas em silêncio, grudado no celular, esperando o pior.

Queria acreditar que ela não responderia e a ansiedade crescia. Cada notificação que chegava fazia meu estômago virar. E nenhuma delas era do João.

Abri e fechei a conversa mais vezes do que consegui contar. Tentava me acalmar, pensando que, se ela fosse mandar, já teria mandado. A demora era um bom sinal. 

Mas não adiantava. Eu já estava destruído por dentro. Eu não aguentava mais.

Aquilo era uma idiotice. Não passava de um plano estúpido. 

E eu amava a Tati. E não eram aquelas mensagens imbecis que mudariam meu sentimento. 

Podia só eu parar aquilo tudo, voltar para minha vida normal e continuar com ela.

Peguei o celular e mandei para o João:

“Pode bloquear a Tati. Vamos encerrar o teste.”

<Continua>

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